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Luto e Melancolia

Atualizado: 2 de mai. de 2020

Sigmund Freud. (1917 [1915]), Volume XIV

Fichamento


Em janeiro de 1914, S. Freud expõe o tema luto e melancolia ao Dr. Ernest Jones. Em 30 de dezembro do mesmo ano, apresenta o tema à Sociedade Psicanalítica de Viena e, em fevereiro do ano seguinte, redige o primeiro rascunho do texto e o submete a Abraham, que enviou comentários. Sugestão: ligação entre a melancolia (depressão) e a fase oral do desenvolvimento libidinal.

"“No luto é o mundo que se torna pobre e vazio. Na melancolia, é o próprio ego” (Sigmund Freud)

O último rascunho foi concluído em 4 de maio de 1915 e o texto final publicado dois anos depois (1917). Nele, S. Freud conceitua o luto e a melancolia a partir de semelhanças das manifestações gerais dos dois afetos.


O luto manifesta-se à perda de um “objeto amado” e não implica condição patológica, desde que seja superado após um período. Suas características assemelham-se muito com às da melancolia:


  • Traços marcantes de desânimo profundo, cessação de interesse pelo mundo externo e inibição de toda e qualquer atividade;

  • Baixa autoestima e autorrecriminação (essas características são inexistentes no luto normal); e

  • Autodepreciação e atribuição de características negativas.

No luto profundo há a perda de interesse pelo mundo externo - a não ser que se trate de circunstâncias ligadas ao objeto perdido, há dificuldade de adotar um novo objeto de amor e a inexistência do objeto exige grande esforço para redirecionamento da libido. A oposição a esse redirecionamento da libido pode ser intensa e provocar um desvio de realidade (psicose alucinatória). Porém, essa manifestação não ocorre no luto normal.


No Luto normal, a perda do ente amoroso não constitui presença de autorrecriminação, mas, em pessoas nas quais existe pré-disposição para neurose obsessiva pode haver a culpa pela perda (sentimento esse observado nos casos de histeria como o Anna Ó).


A superação do luto acontece pouco a pouco com grande gasto de energia. O desligamento do objeto perdido se dá por meio da evocação e hipercatexização de cada lembrança relativa ao objeto. Ou seja, as lembranças relacionadas ao objeto perdido são trazidas à tona, valorizadas e revividas, liberando, assim, a libido de cada uma destas lembranças. Com isso, o objeto perdido vai se distanciando da realidade. O luto é considerado um processo saudável e natural de lidar com uma perda. “(..) quando o trabalho do luto se conclui, o ego fica outra vez livre e desinibido”. (Freud, S.). Ou seja, o luto é algo consciente.


Na melancolia, o ego é desprovido de valor e incapaz de qualquer realização. A baixa autoestima pode estar associada à insônia, à recusa em se alimentar e a tudo que pode levar o esvaziamento da vida física. Funciona como uma grande punição. Nesse afeto, a libido não é direcionada e desloca-se para o ego, estabelecendo uma identificação deste com o ente perdido. A perda objetal passa a ser uma perda do próprio ego. Na melancolia, o indivíduo sofre de uma perda que ele é incapaz de compreender ou identificar (é o vazio, o nada). A melancolia é considerada patológica.



“O paciente representa seu ego para nós como sendo desprovido de valor, incapaz de qualquer realização e moralmente desprezível (...) Esse quadro de um delírio de inferioridade (principalmente moral) é completado pela insônia e pela recusa a se alimentar, e o que é psicologicamente notável por uma superação do instinto que compele todo ser vivo a se apegar à vida”. (Freud, S)

Na melancolia não há muita preocupação com o corpo; há mais preocupação com o próprio eu, com a autoavaliação. Por que o sujeito melancólico tem a característica de se depreciar? Freud diz:


“Se se ouvir pacientemente as muitas e variadas autoacusações de um melancólico, não se poderá evitar, no fim, a impressão de que frequentemente as mais violentas delas dificilmente se aplicam ao próprio paciente, mas que, com ligeiras modificações, se ajustam realmente a outrem, a alguém que o paciente ama, amou ou deveria amar(...) percebemos que as autorrecriminações são recriminações feitas a um objeto amado que foram deslocadas desse objeto para o ego do próprio paciente”. (Freud, S.)

Freud observou que há uma tendência da melancolia se transformar em mania. Na melancolia o ego cede ao mesmo, já na mania o teria superado resultando um estado de alegria por alívio, uma economia de energia. Ou seja: a libido é liberada para novas catexias objetais. Sendo assim, a melancolia é algo do inconsciente.


“Na mania, o ego deve ter superado a perda do objeto (ou seu luto pela perda, ou talvez o próprio objeto), e, consequentemente, toda a quota de anticatexia que o penoso sofrimento da melancolia tinha atraído para si vinda do ego e ‘vinculado’ se terá tornado disponível. Além disso, o indivíduo maníaco demonstra claramente sua liberação do objeto que causou seu sofrimento, procurando, como um homem vorazmente faminto, novas catexias objetais. Essa explicação certamente parece plausível, mas, em primeiro lugar, é por demais indefinida, e, em segundo, dá margem a mais novos problemas e dúvidas do que podemos responder. Não fugiremos a um exame dos mesmos, embora não possamos esperar que esse exame nos leve a uma compreensão nítida”. (Freud, S.)

RESUMO:


  • Luto e melancolia apresentam respostas semelhantes, porém respostas diferentes para perda.

  • Luto - o indivíduo lida com a dor de perder um objeto de amor específico e identificável. Esse processo acontece na mente consciente. É considerado um processo saudável e natural de lidar com uma perda.

  • Melancolia - o indivíduo sofre de uma perda incapaz de compreender plenamente ou identificar. Esse processo ocorre na mente inconsciente. É considerada patológica.


Referência bibliográfica:


FREUD, Sigmund (1917 [1915]). Luto e Melancolia. In. J. Strachey, Edição Standard Brasileira da Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (Vol. XIV). Rio de Janeiro: Imago.


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